Assassinato

Ele estendeu a mão, oferecendo sua vida que pousava na palma e iluminava a escuridão do quarto. Ela o olhou, passou a língua nos lábios e num gesto com a cabeça, pôs tudo a perder. Os dedos dele tremeram, aos poucos a vida dele foi escorregando, o rosto dele derreteu num ar de tristeza sombria, seus olhos tornaram-se cinzas e sua boca manteve-se entreaberta, com um fio de sáliva atravessado e ligado aos seus lábios que tremiam, chacoalhavam, procurando reação, palavra, para descrever aquela sensação ruim que começava a dominar seu coração e que em alguns minutos passou a dominar todos os seus orgãos, seus membros, seus sistemas, e tudo doía, tudo era elétrico, tudo era um grito, uma voz tenebrosa soprando a solidão em seus ouvidos. Ele a viu ir embora, estático, viu as costas delas se distanciarem, diminuirem cada vez mais até sumirem pela porta. A paralização do seu ser durou mais alguns segundos, até o momento em que voltou a si e percebeu que tudo que ele prezava estava jogado no chão, espalhado entre roupas sujas e sangue. Ele procurou apressado por tudo e juntou nas palmas de suas mãos, tentando manter tudo bem acolhido, bem guardado. Enquanto olhava o brilho da sua vida ali nas palmas de suas mãos, ele percebeu que faltava algo, tinha um vázio, uma dor, uma tristeza, mas também percebeu que algo cresceu dentro do seu corpo, algo ruim, capaz de destruir. Era ódio. Esse ódio cresceu, dominou seu corpo e ele gostou do que sentia, gostou da sensação de estar de pé novamente, mas só que agora seguindo um outro sentido da vida. Ele se pôs de pé, firme como um arranha-céu e deu ínicio a correria até a cozinha. Procurava loucamente por uma faca e quando encontrou, sorriu. Um fio de maldade deslizou pelo canto dos seus lábios e despejou-se quando chegou a ponta do seu queixo, pousando na lado direito do seu peito. Segurou a faca em umas das mãos e de novo começou a correr, agora pra fora e quando passava pela porta de entrada da sua casa, pode olhar a lua e como o seu brilho reluzia na lâmina da faca que carregava na mão. Tudo parecia tão claro. Ele a viu virando a esquina e pôde olhar novamente as costas que minutos antes foram-lhe dadas. Ele correu, como nunca correu antes. Como um leão caça sua presa. Sentiu as pedras da calçada arranharem a sola do seu pé, sangrando-os. Mesmo assim não parou. Continuo a sua caçada, até alcançar a maldita mulher que lhe pisou o coração e o jogou fora. O luar nunca foi tão lindo na vida dele. A brisa de verão nunca tinha sido tão gostosa ao tocar sua nuca. E enfiar a faca nas costas daquela vadia dez vezes seguida nunca pareceu tão correto. A noite se iluminou, num clarão de puro ódio e logo escureceu novamente, num aperto de arrependimento. Ele não entendia como o que parecia ser certo à minutos atrás, agora parecia ser tão errado. Não compreendeu como conseguiu fazer aquilo com ela e o que o levou a fazer. Só sabia de uma coisa, que a amava demais pra continuar sem ela. Então, ele decidiu sentir o luar entrar em seu peito e congelar o pulsar de fogo que existia ali. Foi um só golpe, uma facada direta no coração e um último olhar à mulher que tomou conta de seus olhos durante muito tempo. Olhando para ela, ele conseguiu sorrir e se sentiu feliz por estar morrendo. Pensou que essa era a única maneira de não sentir mais nada, nem a dor que é existir.

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