Esse índios tão nus rodopiam seus corpos no meio da floresta tão úmida e fazem músicas com suas bocas tão morenas, alertando aos animais tão atentos que depois de tanto tempo a chuva vem caindo sobre nossas terras e molhando nossos povos, nossos jeitos e costumes, num sinal de que as divindades - sejam elas indigenas ou seja elas animalescas - estão nos dando a benção para enfrentar o mal que habita o outro lado do mundo, o lado negro mas de cor branca que traz dentro de suas malas o conhecimento para a destruição, pertubando a ordem de quem só quer deitar-se na areia da praia e ver as ondas chocarem contra seu corpo tão nu. Esses índios tão nus, tão ingênuos e bondosos, caem na armadilha da curiosidade que cresce dentro de cada ser da Terra e descobre coisas que não devia descobrir, que não precisava descobrir e se perde num labirinto de mentiras ditas em outras linguas, bocas diferentes e corpos cobertos demais. Enquanto aquele outro ser rouba a sua felicidade, o indio tão nu pergunta dentro dele mesmo como é que é ser um Deus e não sentir vontade de ficar pelado, deitado na beira da praia, só sentindo o mar invadir a terra e a terra expulsar o mar.
Toda vez que tenho que sair de casa, eu me preparo espiritualmente para enfrentar a indiferença das pessoas ao se depararem com meu ar cabisbaixo e triste. Eu tiro forças de onde não tenho pra não cair em prantos no primeiro olhar de desaprovação que me acertar. Dessas forças ocultas eu consigo tirar às vezes um sorriso, uma piada, um gracejo, algo que façam pensar que não tem nada de errado comigo... Quando na verdade, há tudo de errado. Eu caminho nas ruas e calçadas de São Paulo como um ser invisível, com minha dor invisível e o que é visível para os outros é como estou me deteriorando aos poucos. Ninguém preocupa-se em saber o motivo, ninguém vem me presentear com algumas palavras de paz, todo mundo apenas continua vivendo sua vida e trilhando seus caminhos, que não se cruzam. É um jogo de cada um por si que vai matando quem só quer ser todos por um e um por todos. Cada vez mais me sinto só dentro de mim mesmo. Cada vez mais só eu mesmo consigo entender o que se passa comigo e cada vez menos eu quero sair de casa. O meu coração é a minha casa e nele vou me aprisionar.