O lanraja da janela
Faz meu quarto
Laranja dos lábios dela

Ela, sorrindo espetada
Pensa que é dona
De toda bagunça
Que invade morada

Ela, dançando engraçada
Joga o pé
Maldiz do meu chulé
Mas vive descalça

Eu, tímido sem graça
Olho pr'os olhos
Azuis, claros do céu
Feito vidraças

Pareço um menino
De frente pro novo
Esquecendo do resto
Feliz menino novo
Cheio de restos
Pronto pra largar
O batente do trem
E ir morar nas matas
Com ela e mais ninguém.

Luna

O nome dela era Luna, tinha seus 34 anos de vida, quatorze deles se travestindo. Antes disso tinha um nome, um pai bêbado e um cúbiclo que se atreviam a chamar de apartamento. Nessa altura da vida não se lembrava mais do seu antigo nome, mas se lembrava do seu pai. Não porque sentia saudade ou porque ele fazia falta, mas porque tinha a marca feita a ferro quente na lateral da sua coxa. Algo que sempre a lembrava do sorriso torto do pai ao se olhar no espelho. Aos vinte o pai resolve abandoná-la. Chega bêbado numa noite, fazendo barulho, segurando o pedaço de pau, pro azar do velho ela havia dormido com uma faca. Quando viu o sangue derramado no chão do seu quarto, Luna, que ainda tinha nome de menino nessa época, resolveu conhecer o mundo. Que grande merda é ser um muleque de vinte anos nesse mundo! Mas, com o tempo, tudo aconteceu pra ela. Descobriu a noite e suas vantagens, descobriu as mulheres, os homens e os animais, os morcegos, os ratos, as estrelas, a lua... A lua. Encantou-se pela Lua. Tão branca, sozinha. Lá de cima ilumina todos e todos aqui embaixo a admiram. Passou a frequentar festas e dentro dessas festas conhecia homens e dentro desses homens conhecia o tesão. Ganhava dinheiro assim, se sustentava assim. Noite dessas olhando pra lua, enquanto procurava algum lugar para ficar, topou com um senhor e este senhor te mostrou como era bonita. Joana se chamava e tinha uma simpatia que ele nunca tinha visto antes. Nunca havia visto simpatia nenhuma, então não tinha muito parametro. Joana o levou para um bar e lá tocava uma música. Joana o chamou para dançar e ele dançou. No bar conheceu outras como Joana e viu como eram os sorrisos, beijos e os gritos. Mas estranhou, sentado na cadeira de metal do bar, tomando seu décimo quarto gole de cerveja, como alguns homens que passavam pela rua estranhavam tudo aquilo. Todos com os seus olhares, cochichos, pensamentos... Pelo ar podia adivinhar o que os homens pensavam. Um momento se assustou, a maioria daquelas pessoas tinham a respiração pesada do seu pai. Dava pra ver no ranger dos dentes o ódio se acumulando e formando musgo ali dentro mesmo, verde e asqueroso. Marilia, uma das mais velhas novas amigas dele, disse que isso era normal. Que era realmente difícil para as outras pessoas entenderam o que estava acontecendo ali e pediu para não se preocupar com isso, que pouco importa. Pouco importou o que os outros pensavam quando tomou sua maior decisão na vida. Batizou-se Luna, por lembrar Lua. Disse no dia do seu batismo, num quarto pequeno, vestida com um vestidinho rosa barato e com uma garrafa de vinho na mão, que iria brilhar e iluminar todos. Riu, bebeu, dançou e foi atrás do seu dinheiro. Os anos seguintes foram uma mistura de brigas, sexo, bebidas, desilusões e falta de amor. Muitas noites saia machucada por seu parceiro, que de repente resolvia não pagar pelo serviço contratado e a deixava jogada entre os lençois. Outras vezes saia com as mãos cheias de sangue, por ser maior que seu parceiro e ter força o suficiente para espancá-lo. Malditos sejam, homens não sabem valorizar nem o gozo ganho. Ganhou o hábito de roubar, mas não era ouro e nem dinheiro. Roubava fotos três por quatro ou da família dos seus parceiros que encontrava nas carteiras dos mesmos enquanto eles dormiam. Não eram todos que tinham fotos, nem todos que tinham carteira, mas alguns tinham. No seu quarto pequeno tinha uma penteadeira, na penteadeira um espelho e no espelho as fotos. Porque guardava? Porque achava que talvez um deles fosse o teu amor. Acreditava no amor, ouvia-o nas músicas, via nos filmes e nas novelas. Se soubesse ler, enxergaria-o nos livros e revistas. Mas nenhum deles sagrou-se seu amor. E viveu assim, a colar fotos de clientes no espelho enquanto ouvia o novo pagode sair pela caixa de seu rádio de pilha e soar nas paredes sufocantes do seu quarto. Até seus trinta anos. Não sei a magia que tem esse número, o trinta. Mas quando completou sua terceira década de vida, Luna já não aguentava mais esperar para ser amada. Será que nenhum desses homens que vivem pagando para transar com ela não seria capaz de amá-la? Nem os ditos clientes fiéis? Nem os que a chamavam de Luninha? Sentia esse vazio e sentia mais ainda que nenhum pinto que a invadia seria capaz de preenchê=lo. Todas aquelas trocas de carícias, todas aquelas noites... Tudo foi perdendo o sentido para Luna, até secá-la. Magra, pés de galinha, seios pequenos, cabelos negros invadidos pelos fios brancos, olhos caídos, mãos trêmulas, pés ariscos, foi perdendo o seu encanto e brilho. Era noite de quinta-feira, tinha acabado de receber um cliente e enrolada nos lençois chegou a sua segunda maior decisão na vida. Foi-se Luna e a última coisa que viu foi a forma como as luzes dos carros embaixo pareciam distantes tanto quanto as luzes das estrelas em cima e enquanto o vento assoprava seu corpo no ar, ela procurou nos segundos que te restavam o brilho da lua, mas não achou, porque o céu estava sem lua nessa noite, talvez porque a falta de amor das estrelas que a rodeava a tenha feito desistir de brilhar e iluminar o resto do mundo. A lua se escondeu e a Luna se estatelou.
Não se sente mais leve? Se olhe no espelho, preste atenção, vê aquele risco abaixo do nariz, vê? Veja, é um risco arqueado com suas pontas apontando pra cima, não é? Então, isso é seu. Torne-o cada vez mais seu e deixe-o abrir em seu belo rosto. Não se preocupe com as gotas que derrama, secarão. O tempo sopra um vento que te seca. Você ficará lindo, meu amigo! Digo, lindo já é. Você se tornará excepcionalmente lindo. Há de causar muita disritmia nessas mulheres todas, e inveja nos rapazes. Inveja nas mulheres e disritmia nos rapazes, porque não? O mundo é enorme, lotado de pessoas, de possibilidades e oportunidades. Não te apegue ao que não te pertence mais, não te deixe levar pela tristeza do que passou do prazo de validade de importância em sua vida. Pare pra respirar, segure o ar e depois deixe-o sair dos seus pulmões tranquilamente, devagar e sinta seu corpo relaxar. Agora, preste atenção novamente, vê aquela mancha no peitoral da sua camisa? Então, é só lavar que passa.

Sonho

Às vezes queria apenas esbarrar você no meio do corre corre e te olhar com os olhos desavisados que logo se prenderão ao seu olhar e mergulharão no fundo negro dos seus olhos, procurando um sinal daqueles que sempre procuramos em certa pessoas, algo que me diga também sinto sua falta, nego e quando eu encontrar vou sorrir aquele sorriso que só você consegue tirar do meu rosto, e você sorrirá porque também encontrará o que quer ao me ver e o que você quer é nada menos do que um refugio, um lugar comum pra onde poder fugir e esse lugar é meu corpo, minhas mãos, meus braços, pernas, coxas, tronco, pescoço, lábios, dentes e olhos. Então nos tocaremos e no primeiro roçar dos meus dedos na sua pele sentirei uma energia como uma corrente elétrica tomando conta rapidamente do meu sistema nervoso e indo pro meu sistema cardiovascular até chegar ao meu coração e fazê-lo palpitar numa velocidade diferente, ora cadenciado, ora acelerado, mas diferente, porque é assim que você faz meu coração se sentir, diferente. E meu espirito se libertará diante do seu, sentirei a luz se sobressair dos meus poros e se misturar com a sua luz no ar que nos envolve e o clima ficará cada vez mais agradável, como sempre foi entre a gente, com sorrisos, olhares, toques, choques, amor e excitação. Quando meus olhos e seus olhos negros já estiverem umedecidos com lágrimas de saudade, minhas mãos viajarão até seu rosto delicado e o acolherá com tanto apreço e carinho, encostarei minha testa morena do sol e do trabalho na sua testa morena do sol e da maquiagem que tanto adora usar, mesmo eu dizendo que não precisava, porque você é linda naturalmente, e nossas testas se reencontrarão ao mesmo tempo em que nossos lábios e eu sentirei mais uma vez dentro de mim o pulsar do meu coração batendo tão forte, tão forte, que quando meus lábios se distanciarem dos seus, sussurrarei de olhos fechados eu sinto tanto sua falta e isso vai soar mais como um eu te amo tanto… Por fim gargalharemos, abraçados, juntos, mais uma vez antes que a vida desate novamente esse laço que nos prende, esse laço invisível que me faz sonhar quase todos os dias com um reencontro.
É simples, muito simples.
Eu saí ontem para ver a tal da lua azul, fenômeno que só acontece vez ou outra na história mundial. Tanto faz. Acontece é que eu fui realmente lá pra fora só pra ver a lua azul. Eu a vi, cheia, brilhante, nem tanto azul assim, mas bonita. A lua é sempre bonita. Mas, pense comigo como isso é triste... Alguém sair numa noite apenas para ver um fenômeno da natureza. Muitos dirão que há poesia, beleza, filosofia, astrologia, um bocado de coisa que envolve nosso satélite natural. Outros dirão que era bem melhor ficar em casa, abraçado aos edredons, talvez bebendo, talvez fumando... Bom, fato é que eu não vou de acordo com nenhuma dessas opções. Eu optaria em sair pelas ruas, andando, numa roupa simples bonita, do jeito que você gosta, perfumado e cabelo penteado, andando assim, até sua casa, apertar sua campainha, bater na sua porta, chamar seu nome, brigar com o porteiro, com sua mãe e com as pessoas que preferem fazer outra coisa, por exemplo ver a lua azul e dormir cedo. Sabe, é triste sair na rua ver a lua e não pode ver você. Eu só queria ver você, seus olhos, o negro do seus cabelos, seu sorriso. Aí eu te tocaria, pousaria meus dedos sobre seu rosto, beijaria seus lábios com os olhos fechados e pouco me importaria com a cor da lua, mas sim com a cor do seu sutiã, da sua calcinha, do piso da sua cozinha, dos azulejos do seu banheiro, do teto do seu quarto e me sentiria parte de um fenômeno natural, tão importante quanto a lua azul. Mas eu não posso.
Você não quer.
Eu tenho medo.
O tempo passou.
Mudamos.
E é muito mais simples sair na rua ver a lua azul.

Tenho dentro de mim os sentimentos mais profundos, tão profundos que não há palavra que possa traduzi-los. Eu tenho aqui guardado dentro de mim uma mistura de natureza com humano que não se sabe bem qual será o resultado, mas é uma mistura que reverbera e faz tremer todas as minhas estribeiras. São terremotos com o epicentro no passado, que vem numa crescente com o passar dos anos e que hoje chegou à um ponto onde eu não consigo me manter estático sem ter que expressar esse imbróglio de sensações que me atormenta. Eu sou levado à extremos quando o choque das placas tectônicas que se encontram dentro da minha mente chegam à um grau elevado e não é só pelas dores de cabeça que me fazem sofrer, mas também as rachaduras feitas por todo o resto do corpo. As casas devastadas, os amontoados de tijolos, os restos de pessoas jogados dentro mim e eu simplesmente me sentindo destruído.
Dias desses, me perguntaram: “Porque anda tão caído?’’ Eu respondi com um sorriso tão caído quanto meu corpo: “Porque eu escolhi errado, meu chapa.” E, depois de algumas semanas, relembrei essa passagem de minha vida e passei algum tempo refletindo sobre a minha resposta... Bom, é a verdade. Eu escolhi errado. Perdi o controle da minha vida quando um furacão com nome de mulher passou por dentro de mim e tirou tudo do lugar. Deixou meu espirito atormentado e minha alma inquieta. Essa inquietude sofre toda vez que ecos voltam a soar nos meus ouvidos e algo aperta meu coração, algo feito na sua mais pura natureza de nostalgia, só que mais forte, mais pesado, denso... É a saudade que eu sinto de me ver rodopiando entre os ventos daquele furacão que ela era. A saudade de me deixar levar pelos toques dela e pelo sorriso, os lábios, as mãos... A saudade é a pior das sequelas que essa doença chamada amor nos deixa. Doença sem cura, sem remédio... Ah, que saudade de ser doente assim!
Esse índios tão nus rodopiam seus corpos no meio da floresta tão úmida e fazem músicas com suas bocas tão morenas, alertando aos animais tão atentos que depois de tanto tempo a chuva vem caindo sobre nossas terras e molhando nossos povos, nossos jeitos e costumes, num sinal de que as divindades - sejam elas indigenas ou seja elas animalescas - estão nos dando a benção para enfrentar o mal que habita o outro lado do mundo, o lado negro mas de cor branca que traz dentro de suas malas o conhecimento para a destruição, pertubando a ordem de quem só quer deitar-se na areia da praia e ver as ondas chocarem contra seu corpo tão nu. Esses índios tão nus, tão ingênuos e bondosos, caem na armadilha da curiosidade que cresce dentro de cada ser da Terra e descobre coisas que não devia descobrir, que não precisava descobrir e se perde num labirinto de mentiras ditas em outras linguas, bocas diferentes e corpos cobertos demais. Enquanto aquele outro ser rouba a sua felicidade, o indio tão nu pergunta dentro dele mesmo como é que é ser um Deus e não sentir vontade de ficar pelado, deitado na beira da praia, só sentindo o mar invadir a terra e a terra expulsar o mar.