Imagine só a noite dos apaixonados que se amavam tanto que a lua junto com as estrelas faziam música para acompanhar o amor feito, o amor dito, o amor querido entre aqueles dois apaixonados que se amavam tanto que não paravam de se olhar e se olhavam tanto que decoravam cada linha da íris dos olhos, contaram quantos cílios cada tem e conhecerem de cabo à rabo a alma dos apaixonados que de tanto se amarem se perderam se encontraram se fundiram se fizeram um só e quando o dia chegou trouxe para os apaixonados a realidade bruta das realidades mais brutas, de que tudo aquilo, a dança, os olhos, as almas, o amor, não passou de um sonho sonhado por dois apaixonados que dormiam em camas separadas só que unidas por corações mas ainda assim separadas e distantes e longas e frias e sem você aqui pra eu poder sorrir e me sentir feliz e completo: babaca idiota louco homem perdido e acima de tudo, de todos os picos mais altos, das nuves mais densas e dos planetas mais distantes, apaixonado.
Hoje eu concordo com os que diziam que eu poderia ser bem melhor. E, bom, é só olhar pra mim, eu tô melhorando, eu tô me tornando bem. Eu dúvido que algo freie a minha vontade de ser feliz, vontade essa que aos poucos vai se tornando realidade e eu já não me preocupo mais com o que vem pela frente. Por mim, pode chegar. Vem. Eu vou enfrentar, como sempre tive que enfrentar e se eu cair novamente, terei quem me puxar e levantar. São essas mãos que me transmitem a vontade de viver e são por essas mãos que eu vou até o fim, suando, brigando e, acima de tudo, amando.
 É por vocês que eu luto, é pelo juntos que criamos que eu não me perco.
O barulho da chuva é ensurdecedor quando o que se quer é momentos de sol. Cada pingo um pedaço de alma. Eu os escuto cair e solto um pedaço de mim na tristeza escura. Anseio pelo sol. O brilho do sol, a luz do sol, o calor do sol. Anseio pelo eu que ficou lá atrás, naquele último verão, naquele último novembro, naquele último dia. Então eu espero pelo sol e por mim. Uma hora, um dos dois terá que sair de trás das nuvens e afugentar o cinza triste.

Oxitocina

O meu coração andava quieto demais, calmo, sereno, parado no tempo, esperando por algo que o fizesse pulsar. Foi então que num dia eu encontrei seu sorriso, suas palavras, o tilintar do seu brilho que fez meu coração voltar a pulsar, a se acelerar, a perder-se na intensidade dos bumbos que há tempos não fazia. Agora meu coração anda inquieto demais, sofrendo com os extremos que é sentir-se apaixonado, apegado à outra pessoa. Quando você chega, minha pequena, bem do seu jeito de chegar, nem manso nem direto, apenas chega sem avisar, o meu coração se sente sereno, calmo como o cair de uma folha de uma árvore, os batimentos são suaves e atentos, apenas esperando o momento de descansar ao ouvir suas palavras. Então você fala, sussurra em meus ouvidos juras e verdades que enlouquecem a minha alma, transforma o cair da folha num turbilhão de ventos sem destino, expandido dentro de mim, me tomando por inteiro. Penso que é a felicidade ao te sentir tão junta à mim. Então vem o momento em que você tem que partir, aí meu coração se perde num buraco de pezares, me sinto perdido, incompleto e desolado, mas logo lembro que outra hora você volta, então me refaço por inteiro, coloco o sorriso no rosto e fico pronto pro seu próximo chegar, sentindo a ansiedade para poder te amar e só te amar.
A claridade vinda dos dias ensolarados invadem seu corpo como um veneno, a agonia sentida vem da energia do fogo que contém em cada raio do sol. Por não aguentar tal força dentro de si, esconde-se numa caverna escura chamada mente, ali construiu um castelo escuro rodeado por pedras escuras sob o céu escuro da noite. Fechado pro brilho do que está por vir, ele vive com aquela sensação de morte, mas vive, preso aos seus ferros e algemas, sendo chicoteado por lembranças que pertencem a outras vidas que não mais lhe servem. Atordoado, com o sangue das feridas lhe correndo a pele, ele se joga no calabouço do castelo e espera sentado no chão frio e úmido os monstros que ali moram lhe devorarem por inteiro, pra não deixar nem sombra do que foi ou do que poderia ser.
Quanto à mim, eu vou continuar seguindo a estrada que me levará até o pôr-do-sol. Lá encontrarei amigos, parentes e amores passados. Vou entrar na dança da fogueira, rodar que nem um índio, abrir meus braços pro céu laranja e chorar pra Deus toda a minha alegria. Meus gritos viajarão pelo forte vento e chegará aos ouvidos do meu pai num sussuro de amor.

Não quero mais pisar em espinhos, nem topar em pedras, nada mais vai me fazer sair do meu caminho. O meu destino é feito pelos meus passos, que agora só seguirão adiante.

Bailarina

Deitado aqui na cama, te olhando com esses olhos que brilham enquanto você descansa um pouco seu corpo, eu fico imaginando se todas essas linhas tênues que formam seu corpo nu são realmente de verdade. Levo as pontas dos meus dedos até sua pele, pousando minha mão na curva da sua cintura e então deixo a minha mão viajar pelo seu corpo, deslizando minhas unhas pela sua carne e confirmando que tudo aquilo que está diante de mim é de verdade.  Você estremece um pouco, num quase despertar, mas logo volta a sonhar calmamente. Eu, meio paralisado por quase te acordar, solto um suspiro de tranquilidade e volto a admirar sua beleza, que para os meus negros olhos é tão infinita quanto às estrelas no céu. Me levanto, semi nu, e com passos suaves, onde meu pé pisa calmamente no chão gelado do quarto, eu vou andando na direção da cabeceira. Lá encontro um copo de café, já meio gelado, mas ainda assim café e eu o pego, tomo um gole enquanto ando vagamente até a janela do quarto. Ao abrir a janela, meus olhos se contraem por conta dos raios de sol que invadem meu rosto e junto com os raios vem um cheiro de maresia, algo como sal e água juntos, logo depois o som das ondas batendo nas pedras, na praia, no quintal. Quando restabeleço minha visão dou de cara com uma visão linda do mundo lá fora, uma espécie de paraíso, vazio, deserto. Então sorrio por estar nesse paraíso deserto somente com você, deitada entre aqueles lençóis perfumados pelo nosso suor.  Me viro de costas pro sol, pro mundo, pro mar e fico a te olhar dormindo, observando o movimento lento que seu busto faz enquanto você respira. Seu rosto tem um ar leve, seus lábios fechados arqueiam num sorriso discreto, suas mãos perdidas entre os lençóis, tudo parece despreocupado e penso que se eu pudesse ler mentes, diria que a sua está debruçada num lindo sonho. Tudo isso faz descer uma lágrima solitária do meu rosto, que desenha uma trilha de pequenas gotas d’água na minha bochecha e se acaba no cantinho do meu sorriso.
Sorriso parecido com o que eu abri ao te ver dançar naquele palco, sob aquelas luzes, de frente pra tantas pessoas, dentro daquela roupa tão linda e tão delicada. Os giros dos seus pés, os saltos e pousos que seu corpo faziam, o sorriso em seu rosto, o brilho em seus olhos, tudo isso me encantou num átimo de segundo. Foi naquele instante que algo aqui dentro que pulsa todos os dias decidiu - não abriu espaço para discussão - que você seria a mulher da minha vida. 

A Bailarina dançava sua dança pra sua plateia. A plateia assistia a dança da Bailarina e impassível, ansiava por um erro. Na plateia havia muitas pessoas. Dentre todas essas pessoas, só havia uma que não estava impassível com aquela dança. Era um rapaz vestido num terno casual, perdido naquelas cadeiras. E ele a olhava com os olhos fixos, saltados, cheios de lágrimas e presos aos movimentos delicados que a bailarina traçava. Boquiaberto, ele sentiu, sentiu tanto que voltou todas as noites possíveis para assisti-la.

No último gole do café e na última lágrima enxugada, lembrei da noite em que te esperei do lado de fora do teatro, esperando naquele frio ter a sorte de você olhar pra mim e sentir o mesmo que eu. Então você saiu, dentro de um casaco vermelho, pescoço enrolado num cachecol cinza, sorrindo e acenando para alguém lá dentro. Virou-se na minha direção...

A Bailarina deu de cara com o rapaz, um instante congelado na história dos dois. Foi assim, num cruzar de olhares, num mergulhar de alma e em dois sorrisos que se tornaram um só sorriso. O rapaz sorria por ela estar ali, na frente dele, e a Bailarina sorria por ele ter esperado o momento de estar na frente dela. A dança era do destino, os saltos do coração, os giros dos pensamentos e os pousos... Das mãos. A Bailarina sentiu o toque forte dos dedos dele e sentiu lá dentro do seu pulsar cadenciado de bailarina, que agora acelerava num átimo de segundo, que era ele – aquele rapaz nervoso – o homem da sua vida.

Sento calmamente na beirada da cama, ainda sorrindo, ainda lembrando, ainda sentindo e levo meus dedos ao seu rosto, coberto por alguns fios de cabelo. Retiro os fios, observo seu rosto nu, dormindo, o sorriso discreto ainda nos seus lábios. Pouso meus lábios nos seus, sinto a maciez da sua boca durante alguns segundos e penso, cá dentro da minha cabeça, que eu vou cuidar de você pra sempre, Bailarina, só pra te ver dançar a vida toda.

Asas

Numa versão natural das coisas, essa história começaria no dia em que você olhou pra ele e ele pra você, então vocês dois se apaixonaram, se amaram, fugiram para a cidade grande e conceberam em seu lar um bebê meio gordinho. Mas nada aqui será natural pra mim, nem pra você.

Numa versão mais clara das coisas, essa história começa quando num dia qualquer eu resolvo pegar o que não é meu, uma espécie de furto e por minha causa uma briga imensa é explodida dentro do nosso lar. As imagens daquele dia são claras e estridentes, como os gritos de uma senhora, de um jovem, de dois senhores e os seus gritos misturados com suas lágrimas. Tudo por minha causa. Eram cinco reais, feito de papéis que colam em outros papéis. A minha intenção realmente não foi aquela. Eu, menino pequeno que era, só queria ter a chance de ter algo em abundância, queria completar algo na minha pequena vida. Foi naquele dia que eu descobri a rachadura dentro do meu cásulo. Assustado, como sempre fui, preferi fechar olhos e ouvidos. Perdi tanta coisa...

Agora, se formos pensar de uma forma mais emaranhada do todo, toda essa história é o que nos prende no hoje, nesse hoje que somos presos, nesse hoje que nos falta espaços. Por causa dessa história, hoje não vivemos como queríamos e mesmo assim, é, mesmo assim, apesar desse problema e os que vieram junto, nós ainda achamos tempo pra sorrir e se amar... É o que nos resta.

Eu acordo todo dia torcendo para te encontrar ali perto, um sinal de vida seu, que me faça tranquilizar meu coração. A descoberta desse mal pra mim foi um tiro na alma, e se você se lembra, eu chorava feito criança, com os olhos vermelhos, denunciando o medo que se instalava no meu coração. O medo de perder você pra sempre, de não ter pra quem correr ou quem abraçar. Esse medo está dentro de mim todo dia e todo dia eu tento deixá-lo de lado, mas minha cabeça é grande, ela voa, e eu sempre me pego pensando nisso. Até quando terei você aqui perto de mim pra me proteger? É, me proteger. E olha que a frágil na história é você! Mesmo assim, me protege como ninguém é capaz.

Lembrar do teu sorriso cria dentro de mim uma vontade assim, maior do que eu, de continuar a lutar pelo que acredito. Eu vivo por você.

Anj

E sobe aos céus como um anjo negro maldito por ter dito o que não era pra ser ouvido, e então vive com um sorriso podre no rosto iluminando a alma daqueles que são escuros e negros, fétidos e mortos. Ele sobe aos céus à procura de Deus e chega lá, procurando Deus, achando ninguém, o céu vazio de Deus, cheio de nuvens brancas e trovões negros, o céu sem anjos e pássaros. Pisa no chão do céu implorando por uma energia mágica cósmica adentrar os furos dos teus pés e invadir teu organismo e fazê-lo sentir nem que fosse uma pontada assim de qualquer coisa que seja misturada com a indiferença que nutre pelos outros que não enxergam nada além do que é pra ser visto e principalmente pego. Roda os braços nos chãos dos céus tentando acertar o rosto de um santo, tocá-lo o faria sorrir como nunca sorriu antes, porque eis um milagre, um santo, mas não, nada de santos para ele, apenas a falsa impressão de que a única companhia que tem é sussurrar do vento em seus ouvidos sujos, sussurram algo mais ou menos assim pule, pule, se jogue, o céu é tão vazio quanto o seu coração, o céu é seu lar, mas tu não quer nada disso! Quer mãos e pernas e rostos e salivas e seios e genitálias tocando tua pele sedenta por humanos E ele gargalha enquanto ouve tudo aquilo chegar aos seus ouvidos, gargalha enquanto corre em direção ao precipício e num salto de braços abertos imita um anjo qualquer negro que se joga do céu e vai de cabeça em direção ao inferno, queimando suas penas ao invadi-lo e cair no colo de centenas de anjos também caídos que sentiram a falta de um Deus e fizeram o mesmo que ele, se entregaram a necessidade de ter alguém o empurrando, tocando-o e sendo-o.

Sonhos

Às vezes queria apenas esbarrar você no meio do corre corre e te olhar com os olhos desavisados que logo se prenderão ao seu olhar e mergulharão no fundo negro dos seus olhos, procurando um sinal daqueles que sempre procuramos em certa pessoas, algo que me diga também sinto sua falta, nego e quando eu encontrar vou sorrir aquele sorriso que só você consegue tirar do meu rosto, e você sorrirá porque também encontrará o que quer ao me ver e o que você quer é nada menos do que um refugio, um lugar comum pra onde poder fugir e esse lugar é meu corpo, minhas mãos, meus braços, pernas, coxas, tronco, pescoço, lábios, dentes e olhos. Então nos tocaremos e no primeiro roçar dos meus dedos na sua pele sentirei uma energia como uma corrente elétrica tomando conta rapidamente do meu sistema nervoso e indo pro meu sistema cardiovascular até chegar ao meu coração e fazê-lo palpitar numa velocidade diferente, ora cadenciado, ora acelerado, mas diferente, porque é assim que você faz meu coração se sentir, diferente. E meu espirito ficará diferente ao estar diante do seu, sentirei a luz se sobressair dos meus poros e se misturar com a sua luz no ar que nos envolve e o clima ficará cada vez mais agradável, como sempre foi entre a gente, com sorrisos, olhares, toques, choques, amor e excitação. Quando meus olhos e seus olhos negros já estiverem umedecidos com lágrimas de saudade, minhas mãos viajarão até seu rosto moreno e o acolhera como uma mãe que reencontra o filho fugido do seu verdadeiro lar, então encostarei minha testa morena do sol e do trabalho na sua testa morena do sol e da maquiagem que tanto adora usar, mesmo eu dizendo que não precisava, porque você é linda naturalmente, e nossas testas se reencontrarão ao mesmo tempo em que nossos lábios e nossas línguas e eu sentirei você mais uma vez dentro de mim batendo tão forte, tão forte, que quando meus lábios se distanciarem dos seus, sussurrarei de olhos fechados eu sinto tanto sua falta e isso vai soar mais como um  eu te amo tanto... E então gargalharemos, abraçados, juntos, mais uma vez antes que a vida desate novamente esse laço que nos prende esse laço invisível que me faz sonhar quase todos os dias com esse nosso reencontro.

Bêbado


Ando meio bêbado ultimamente. Essa droga, a bebida, essa droga ilusória que me faz pensar que ando flutuando, meio solto pelas ruas do mundo, sem destino e tudo bem se for assim, tudo confuso e duplicado e escuro. Essa droga vem tomando conta do meu corpo e a cada dia que passa estou mais bêbado. Acordo já com aquela tontura bêbada com aquele bafo bêbado e meu bom dia sempre sai bêbado, ou é ‘’dia bom’’ ou ‘’boa noite’’, ‘’boa tarde’’, tantas outras saudações que se misturam e no final não saúdam nada, nem ninguém. Está difícil até pra caminhar, dou mais passos do que devia, piso onde não devia, vou para um lado quando tenho que ir pro outro e o equilíbrio é algo que não tenho mais. Porém busco sempre o equilíbrio quando saio vagando por aí, busco porque é preciso manter certa postura diante dos desconhecidos, diante de quem sempre te julgará pelo seu passo bêbado, seu cabelo malfeito e seus trajes estranhos. O meu problema é que não encontro mais o equilíbrio nem no caminhar, nem dentro de mim. E esse tal do equilíbrio representa um eu idealizado por mim mesmo que nunca existirá, onde sou o que deveria ser, faço o que deveria fazer, ando reto, piso firme. É um sonho que eu bêbado tento alcançar, mas nunca consigo. A distância entre o bêbado e o sonho foi se tornando cada vez maior, como um entrelaçar de dedos que vai se desfazendo, desfazendo, até os dedos não se tocarem e se distanciarem tanto que criam a certeza de que nunca mais vão se entrelaçar de novo, cada um vivendo no seu escuro. Então, eu bêbado assim, mesmo com a certeza de que nunca serei quem deveria ser, vou procurando pelos caminhos mais confusos da mente encontrar algo que me faça ser o que não sou, me faça ter a paz do equilíbrio e quem sabe um dia saúdo o dia que amanhece com o sorriso de um sonhador: andar firme, cabelo bom, roupa certa e o copo vazio.

03:37


Acordado, olhos abertos, mente cansada e músculos exaustos. Procuro uma xícara de café, quem sabe um pão ou uma bolacha de água e sal. É incrivelmente ruim acordar dias atrás de dias sem ter sonhado e descansado e dormido. As noites agora me servem para planejar meu futuro, tão incerto, tão pessimista e negativo, que é preciso planejar a hora exata em que cairei de cabeça no poço sem fim. Acho que nem é preciso falar nos passeios pelos cômodos da casa, não é mesmo? Todo insone que se preze sabe que um tour pela sua própria moradia é um dos melhores programas que se tem pra fazer a noite. Às vezes prefiro caminhar pelas ruas mesmo, paro em uma padaria, tomo um café, mesmo sabendo que tem café em casa, mas o café da padaria vale a pena, por causa do passeio, das luzes, dos olhares, vale a pena por causa da noite. Outras vezes me pego escrevendo que nem um maluco, coisas sem sentido, cartas sem destinatários, músicas sem ritmos e pensamentos difusos, confusos, perdidos e abstratos. Minha mente tem andado meio assim ultimamente, abstrata. A-bs-tra-ta. Palavra estranha, bastante confusa, mas que eu adoro pronunciar. Sai como um elogio da minha boca e fico com vontade de rir ao dizer. Até dou uma gargalhada, mas dentro da minha mente. Um dos motivos que me fazem rolar de rir é a maneira como meus olhos vão afundando dentro do meu crânio, tanto que daqui um tempo, serão duas pedras negras num crânio esticado. Olho no espelho as transformações que o tempo custa em causar na minha aparência e é assustador a capacidade que as horas tem para arrancar de uma pele o brilho e maciez. Sinto-me um velho, daqueles que só querem sentar e esperar a hora certa pra cair duro. Vou balançar na minha cadeira de balanço, deixar a brisa afugentar a poeira do meu rosto e fechar os olhos quando as batidas do meu coração cessarem. Percebam, acabei de planejar, e esse é o meu plano de morte. Sim, é assim que quero morrer. Deve ser feliz morrer assim, tão suavemente. Ou não, morrer deve ser sempre triste mesmo. Mas a questão não é a morte em si e sim todo o ato que antecede o momento da morte. Esse ato, o último ato, esse sim deve ser feliz. Bom, o que eu sei agora, do meu presente, é que ainda não dormi e ainda estou escrevendo cartas sem destinatários, pensamentos confusos e coisas sem sentido. É como dizem ‘’O teu mal é sono!’’ Então, vou lá, deitar e olhar pro teto branco do meu quarto, esperando o momento em que o sono chegará e me fará sonhar e descansar e esperar o amanhã. E se nada disso resolver, bato minha cabeça na parede e desmaio. Boa noite.

Morte

A morte é algo certo, com data incerta. A morte chega num sopro negro e invade os olhos, os ouvidos e as roupas. A morte é cinza, quando chega fica negra. A morte não se cansa, nem descansa, colhe seus frutos, às vezes maduros, às vezes verdes demais, outras vezes até apodrecidos. Às vezes me pego pensando, normalmente quando estou deitado e olhando para o nada, que naquele mesmo instante uma pessoa pode estar morrendo. Uma não, mas dez, vinte, cem, mil pessoas! E isso dói, mas ao mesmo tempo alivia, pois não sou eu que estou sendo levado. Em seguida me vem um pedido, ao meu Deus, para que a morte não me leve e principalmente, não leve as pessoas tão próximas de mim. É difícil saber ou prever, mas provavelmente eu não conseguiria viver – sorrir, pular, dançar, cantar, amar, rodar, cair e levantar – se alguém, um familiar ou um grande amigo morresse. É claro que tenho que de alguma forma deixar algo engatilhado dentro de mim, algo que amenize e me faça suportar a dor de perder quem eu amo e nunca mais vê-lo novamente. Afinal, a morte é certa. Acontece com todo mundo. Até nos sonhos a morte acontece. Noites passadas, sonhei que o pai de um amigo meu morria e nós, eu e ele, assistíamos a morte do seu pai, que era assassinado enfrente à sua casa por ladrões. Um sonho muito inesperado e assustador. Lembro que eu o abraçava enquanto tudo aquilo acontecia e que ele nada fazia, estava paralisado, não descia lágrimas e não se ouvia choro, então eu começava a gritar, pedindo para que ele sentisse algo porque alguém morreu, o pai dele morreu e, droga, isso deve doer mais do que um bocado, deve doer como um tiro que nos mata, não? Foi aí que acordei. Assustado, suado, agradecendo por ser um sonho e desejando não ter outro igual. Eu não sei o que um sonho desses pode refletir dentro de mim, talvez o fato de ter perdido meu pai e desejar que isso não aconteça com mais ninguém. Ou o medo do desapego imediato que meu amigo teve quando perdeu seu pai. A morte é inesperada. Nunca sabemos e nunca saberemos quando nos tocará, quando nos invadirá. Nem quando levará um dos nossos. Precisamos cuidar, precisamos amar, precisamos cultivar nossos laços, temos que ter boas lembranças, bom amores, ótimas amizades, lindos sorrisos e felicidade com quem nos rodeia. Porque, uma hora ou outra, a morte chega, cinza e ao mesmo tempo negra, uma sombra que adentra o corpo e não deixa mais nada.
Meu medo não é a morte. É perder a vida. Vê a diferença?
''Eu sonhador demais, na intranha dor demais 
E essa estranha dor é mais do que saudade
É como uma necessidade
De poder ter a certeza de que não era verdade

O que você disse por telefone
Que tava na hora de eu te provar que podia ser seu homem
Que o menino que nem pode sustentar um lar
Nunca seria bom o suficiente pra tu casar. ''



Chuva de Novembro -  Projota

Jovem, Paz, Ilusória

O mundo gira, o mundo se move e a cada ano que passa a lua está mais distante de nós. O mundo é uma bola, uma laranja descascada, o mundo é um relógio. O mundo é um cifrão e nós sabemos o que isso significa, sim? O mundo é dinheiro. Tudo é dinheiro. Não importa o quanto eles sofram, desde que eles fabriquem o meu tênis e satisfaçam minha vontade muito louca de consumir e de ser... Ser o quê? Ser legal. Ser cool. Eu tenho um novo nike, ganhei da minha tia que foi à China esses dias e comprou lá da fábrica mesmo. Ela disse que não entrou na fábrica, porque já do lado de fora da fábrica ela sentia um cheiro horrível, uma mistura de merda, urina, cola quente e sofrimento. Perguntei a ela qual era o cheiro mais forte, ela disse que era o de sofrimento. Eu aqui de longe não sinto esse cheiro, então tudo bem pra eu ficar assim. É claro que fiquei preocupado com o sofrimento deles, mas minha preocupação maior agora é esconder o baseado dos meus pais. Falando nisso, fico me perguntando às vezes de onde é que vem esse baseado, será que é da Colômbia? Da Venezuela? Não sei. O mundo é mesmo uma bola e meu teto gira junto com ele, essas cores todas também giram, esse gosto doce na boca é que causa toda essa loucura, esse movimento... Essa alucinação. Estou feliz, eu acho. Estou no teto do meu quarto e estou olhando para meu corpo deitado na minha cama. De repente eu caio em cima de mim e tomo um susto, meu coração salta fora do meu corpo e rasteja pelo lençol do meu quarto, manchando-o de sangue. O ar vai embora, as cores vão escurecendo, o mundo vai parando e eu tento alcançar meu coração, mas minhas forças também foram embora.  Então eu apenas me pouso no colchão, como pouso numa nuvem, fecho meus olhos, sinto a brisa do mundo passar sobre mim e descanso, sentindo uma paz antes nunca imaginada por mim. Eu descanso em paz.

Dez anos

Tenho me sentindo um muleque de dez anos correndo pela rua, jogando bola , ralando joelhos e rindo de tudo isso. A felicidade está se espalhando dentro do meu corpo, indo pra cada cantinho de mim e crescendo crescendo, mas crescendo tanto, que chega a sair pelos meus poros, pelos meus olhares, sorrisos e palavras. Eu apenas sinto esse momento, me divirto com ele a cada instante que passa, pois sei que uma hora vai embora. Porque nenhuma felicidade exarcebada é eterna, não é? E acho que nem é pra ser. É por isso que esses momentos únicos, que acontecem de anos em anos, são tão prazerosos, tão deliciosos de se sentir e saborear e cheirá-los e de fazê-los um tudo. Eu sou aquele muleque de dez anos brincando de esconde-esconde na rua até onze horas da noite e que se não é a mãe dar uma chinelada na bunda, não para de brincar nunca. Fica escondido, fica pego, duro ou mole, de saia ou maiô, fazendo seus golzinhos e xingando os vizinhos chatos que querem dormir. Eu sou aquele muleque magricela, pulando na chuva, correndo dos mais velhos, todo sujo de lama e asfalto.

Tenho dez anos, hoje de noite vou correr pelas ruas do mundo e apertar sua campainha, vou te gritar, te chamar pra brincar e se você for o último a chegar, será a mulher do padre.

É isso. Eu estou feliz.

Emily

Ah, o mundo! Uma imensidão de possibilidades de ser feliz, de chances de amar e ser amada. Ah! Como eu adoro o mundo! Quem me vê rodopiando embaixo da chuva nem desconfia que tempos atrás eram de lágrimas que meu rosto se molhava. Debaixo daquelas gotas que brotavam dos meus olhos, minha feição era de pura infelicidade que parecia um demônio a abraçar minha alma. Longo foi o tempo em que demorei para livrar meu ser do demônio da depressão, longas foram as noites perdidas em pranto, imenso foi o saudoso amor que senti prolongar dentro do meu coração e confusa era minha cabeça, que não sabia se dava ouvidos à razão ou ao coração. Mas o tempo passa, vai embora e junto com o tempo, a dor vai junto. Se hoje rodopio debaixo da chuva é porque me coloquei à frente de toda a cólera que sentia, fiz de mim o meu próprio escudo e parti para a vida, fui viver. Se hoje deixo a chuva cair sobre minha pele branca, é porque eu senti a benção de amigos debruçar sobre minha cabeça e sentenciar, ordenar, gritar, benzer, clamar: Vai ser feliz, minha linda! E eu fui, mas sem pressa. Fui com cautela que é pra não pisar em falso, que é pra não cair num buraco, nem perder o equilibrio. Quando dei por mim, já tinha encontrado o sorriso que há tanto não nascia no meu rosto. Fui me encontrando, sentindo meu corpo se fortalecer, minha mente se abranger e meu coração amanhecer. Ah, como foi bom sentir o bumbo do coração tocar novamente! Aquele pulsar surdo, forte, que resplandece a alma de quem ama, de quem amou e quer amar novamente. Eu me vi refeita, pronta para pular, cair, dançar e quebrar. Eu me vi mulher, madura, muleca, fortalecida e inteira. Eu me vi no espelho e pude reconhecer, pude reencontrar no fundo dos meus olhos o brilho que havia sumido e que voltava, mais forte, mais brilho do que nunca. Então coloquei meu vestido, minha sandália, meus brincos e meu colar. Coloquei minha felicidade no sorriso, meu amor nos olhos, minha paixão nos ombros, meu desejo nas mãos e minha força nas pernas e então abri a porta e vi a chuva e senti a chuva e molhei meu corpo e mostrei meu sorriso e voltei ao mundo.

Moreninha

Moreninha dos cabelos negros longos reluzentes e cheirosos,
Do olhar penetrante agudo e doloroso,
Do sorriso meigo contido e iluminado,
Do beijo quente mordido e molhado.

Moreninha do corpo pequeno bronzeado e jovem.
Do medo do amor e da vontade de se entregar.
Moreninha do vestido de flores e perfumes naturais.

Ah, Moreninha, como é difícil te encontrar!

Danço

E eu, morto como estou, ainda me pego dançando como nos meus dez anos de idade. E todo mundo olha, sorri, segura, empurra, pede mais, pede menos, grita, xinga, elogia, e todo mundo dança comigo. Eu jogo meus braços ao vento, minhas pernas confusas remexem o chão, minha cabeça perdida se encontra num baile irreal. E danço assim porque escolher não dançar já me cansou. Eu já não quero mais sentar e ouvir o que todos têm pra dizer, nem quero enxergar naqueles moços a perfeição, eu quero ficar em pé na beira do palco, levantar os braços e gritar o que tenho para dizer. Vou gritar, cantar e mandar voar entre os ares as minhas palavras de amor, meus sonhos recheados de sexo e ódio, minha vontade de morrer, meu medo de matar alguém, meu romance triste e deprimido que me fudeu durante meses, que fez do meu coração um caralho de tão doloroso, de tão remexido e partido. Vou gritar a dor que é não ter um pai e ao mesmo tempo, chorar o amor que tenho pela presença dele. Vou expulsar de mim demônios e eles vão invadir suas cabeças, suas mentes e vocês vão me ver, me olhar, me enxergar sem roupas, nu, do jeito que Deus me permitiu ser. Vou arrancar tudo o que guardo no meu estômago, no meu coração, fígado e rins. E vocês vão me ouvir, vão vomitar, e quem sabe, entender o porquê d'eu ser um homem tão pequeno e a minha dança ser tão grande.
Hoje vou contar uma breve história:

Era uma vez um garoto que se sentia só.

Final

Eu abro os braços
Sinto o vento
Ar
Gotas
Sinto a Terra.

O ar sufoca o meu respirar
As gotas molham o meu cansaço
A Terra me aleija.

O pulmão freia
O olhar pesa
O mundo acaba.

E eu
Com os braços abertos
Esperando o público
Acabo junto.
''(...) – bem, como vai você? levo assim, calado
de lado do que sonhei um dia
como se a alegria recolhesse a mão
pra não me alcançar

poderia até pensar que foi tudo sonho
ponho meu sapato novo e vou passear
sozinho, como der, eu vou até a beira
besteira qualquer nem choro mais
só levo a saudade morena
e é tudo que vale a pena''


 Sapato Novo - Los Hermanos

Garoto

É um pulsar baixo, cadenciado, que cresce disforme dentro do cúbiculo enegrecido. É um garoto esguio, magricela, deitado na única cama do cúbiculo e que sente o pulsar estourar seus ouvidos. O sangue desliza suavemente pelas suas bochechas, seu pescoço e mancha a pele amarela pálida colada aos ossos. Ossos brutos, duros, não se partem, pesados e barulhentos. Cada movimento é uma imagem silenciosa, como o voo de um pássaro em câmera lenta. O cúbiculo é a praça, a rua, a lanchonete, o salão de festas, o campo de futebol. O cúbiculo é o caminho a ser trilhado. O garoto magricela sobe na cama e com a força dos seus músculos pobres fica em pé. Abre os braços de pele amarela pálida e sente o sangue caminhar pelo seu corpo. Sente o pulsar forte em sua cabeça descer pro seu coração e depois pro seu estômago e para os joelhos e os pés e volta para cabeça e se aloja na suas costas e como uma ventania forte o empurra no chão e então ele cai. Em pé. Rindo a loucura que o toma, que o impulsiona e o faz correr pelo cúbiculo escuro de braços abertos, dando voltas, piruetas, trançandos os pés, balançando os braços, cambalhotas, empurrões, socos, pontapés, cabeçadas e por fim terminar de cara no chão, com o corpo vermelho de sangue, com o sorriso vermelho de sangue, com a pele vermelha de sangue, com a mente vermelha de sangue, com a alma se esvaindo junto com o seu sangue.

Estocolmo

Eu realmente me sinto muito decepcionado ao lembrar do que passamos juntos. Cada minuto, cada sorriso, cada briga, cada lágrima, foi tudo tão desnecessário. Antes eu lembrava da nossa vida juntos e doía, porque sentia saudades, sentia falta da exarcebada alegria que enchia meu coração de paz, mas hoje, eu sinto pena de mim, por ter gasto tanta energia com uma pessoa que não se respeita. Sinto que toda a nossa história está sendo violentada por seus atos, suas mentiras, seu modo de vida, sinto que toda as minhas palavras tão bem ditas estão sendo jogadas num ralo fétido de uma esquina qualquer, sinto que meu coração de nada vale para você, logo você, que foi a pessoa que entreguei-o durante um tanto de tempo. Pura ingenuidade minha. Pura inexperiência. Meu coração ainda virgem e você se apoderou dela, com um sorriso o violentou, abusou da pureza, do meus deslumbramentos, fez de mim seu capacho e quando cansou, me jogou no frio do chão. É realmente decepcionante olhar para o passado, olhar para o presente, vislumbrar o futuro e saber que não sobrou nada do que vivemos. O que me restou foi a dor, a inquietante dor dos corações que são sequestrados, abusados, partidos e ainda assim continuam apegados aos seus violentadores.

Da Noite Pro Dia

Próximos, quase colados, o sorriso dela está a menos de um palmo de distância e vendo-o de perto, me sinto iluminado por uma estrela. Sinto o doce sabor dos lábios dela misturado com o fervor dos meus desejos profundos. É um beijo. Um selo de amor, um roçar de lábios que mistura paixão amor e tesão. Logo esse beijo nos toma por inteiros e quando menos percebemos, estamos com os corpos colados, nus. Deitados numa cama, enrolados num cobertor. Uma noite inteira rolando num colchão tão macio quanto os seios dela. E quando amanhecer, ainda estaremos acordados, contando histórias e rindo de fatos engraçados que nos fez chegar até aqui. Ela com toda certeza citará alguma piada minha e eu confessarei que desde o primeiro momento em que a vi parada naquela tarde, já pude saber que a desejava imensamente. O sol invade o quarto, o calor invade nossos corações e ainda nus, nos abraçamos, um olhando nos olhos do outro, tentando falar por telepatia o quanto foi mágica a noite que passou. Ela pisca os olhos e sorri. Eu sorrio e pisco os olhos. Momentos depois, ela já está dormindo e eu estou acariciando calmamente o rosto dela, sussurrando baixinho o quanto a manhã está linda hoje.

Se hoje volto a sorrir...

É simplesmente uma tortura olhar seus olhos e não poder mergulhar na escuridão deles. Eu queria poder tocar seu rosto, sentir seus lábios e mostrar a verdade que reside em cada carinho. E quando você sorri, tudo piora. A dor de não tê-la é sufocante, é um rasgo na garganta louca para gritar. Meus pensamentos e sentimentos se confundem, assim como a realidade e os sonhos. Às vezes quando te toco não sei se estou dentro de um sonho ou se vivo aquele momento, pois um turbilhão de sensações me tomam por completo e eu fico entregue à eles, sem força para controlá-los. Sou transportado ao mundo perfeito, criado na minha mente, com leves toques do meu coração.  E quando você se distancia, esse turbilhão vai embora e dar lugar ao vazio que é ser incompleto. Metade de mim está em você. Metade de mim existe por você. Cuide do que sou, não maltrate o que aqui dentro tanto prezo e aprecie nossos poucos momentos juntos. Por favor, perceba-os e me saboreie.

Anjo das Cinzas

Carregava um peso dentro de si que não suportava mais. Sentia o corpo pender toda vez que tentava se levantar e aquilo incomodava. Procurava jeitos de aliviar a dor e o cansaço, de esquecer o peso e correr livremente por onde passava. Sabia que era impossível naquele momento, que o turbilhão de sentimentos e sensações ainda residiam dentro da sua cabeça e do seu coração. Louco, confuso, desesperado, paranóico, sozinho, envelhecido, enferrujado, desgastado, quebrado, morto. Era tudo isso. E um pouco mais: Era fraco. Não tinha forças nos ombros, nas pernas, andava rastejando nas ruas, não admirava mais a lua pois seu pescoço era um graveto que não suportava mais todo o peso dos seus pensamentos e por isso, vivia a olhar o chão, muitas vezes até sentia o chão: nos lábios, nos olhos, no pulsar, no frio. Em uma certa noite silenciosa e congelada, resolveu rasterjar-se pelas ruas. Andou por lugares que remetiam ao passado. Tal passado que sempre representou mais felicidade, mais alegria e mais sorriso. Então, andou por lugares nostálgicos e nesses lugares haviam as mesmas pessoas, que antes estavam por lá e que futuramente ainda estarão. Era como se elas esperassem por ele, para olharem para ele e assim, se sentirem felizes. A imagem dele era de provocar dó em qualquer um. Seus olhos tristes, seus lábios rachados, seu nariz torto, suas mãos magras, seus ombros curvados, suas perna trêmulas. Onde há felicidade? Bom, pensavam as pessoas, se um coitado desse ainda saí pela noite e a curti, eu também posso e eu também vou. Sou feliz por não ser essa coisa, por não me rastejar e nem parecer um verme. Elas estavam todas corretas. Qualquer ser humano que não fosse ele, poderia ser mais feliz que ele. E eram, claro que eram! Simplesmente porque não havia um fio de felicidade nascendo, desbotando, corroendo aquele coitado. Ele era movido pela tristeza, pela pena e pela noite. Só que naquela noite, ele foi feliz, por instantes eternos. Enquanto passava por um beco, enxergou uma borboleta azul marinho flutuando sua beleza pelo ar e ao se deparar com tal beleza, um sorriso brotou em seu rosto. Correu. Na verdade, tentou correr já que suas pernas trêmulas e tortas faziam um movimento que não lembravam nenhum pouco uma corrida. Elas se debatiam, mas na cabeça dele ele estava correndo, estava pulando e capturam com sua mão magra a borboleta. Ao abrir a palma da mão, observou que a borboleta se manteve inteira ao se proteger com as suas asas. Então, a borboleta abriu as azas e as bateu, sem sair do lugar. Ele sentiu cócegas e voltou a sorrir. Não, não. Ele estava rindo! Rindo por ainda sentir algo que não fosse aquela melancolia de sempre e ria bastante, ria e pedia mais, dizia para a borboleta continuar e ela o fazia, continuo fazendo até o momento em que ele se deitou na calçada úmida e ficou rindo, olhando para o céu, caminhando seu olhar pelas estrelas até encontrar a lua. Aquela saudade que sentia, foi se esvaindo do peito, pois ali estava ele, admirando a lua em todo o seu explendor natural, abençoando-o com seu iluminar e seu brilho surreal. Ali estava ele, voltando seu olhar para a borboleta que agora sorria, um sorriso negro e forte, um sorriso que virou pó, um pó que tocou a pele do coitado, o queimou, o invadiu por dentro e fez aquele pobre coitado tornar-se o mesmo pó, a mesma cinza, do mesmo ser mágico. Suas cinzas viajaram pelo vento, cada grão cintilando como fadas, cada grão seguindo um caminho, uma ventania e indo visitar lugares e pessoas. Pela primeira vez ele pode estar com todos e em todos. Pela primeira vez pode correr e voar livremente por onde passava. Feliz, iluminado e forte.

Ensaio para a primavera

Tenho sonhando com o dia da nossa estreia: Luzes fracas, pessoas entrando, nós deitados no chão, ansiosos e esperando pela benção do destino, que fará tudo certo até o último segundo dessa Primavera. Nunca me senti tão próximo de um grupo de pessoas, não desse jeito, tão rápido e tão forte. É como se fosse um grande grupo de irmãos, ajudando um ao outro, sem temer, sem julgamento, sem medo. É tudo tão... intimo. Eu sempre fui um ser humano fechado, que guardava pensamentos e sentimentos. Mas com vocês tento fazer o contrário, tento expor, faço de tudo para vocês notarem o quanto sinto e o quanto penso. Quero ser como vocês são! Quero ser bonito, quero ser inteligente, quero ser talentoso, quero ser lutador, quero ser sexy! Eu queria ser um pouco de cada um de vocês. Uma gota de suor, um segundo de um sorriso, uma faísca de um abraço, um fio de cabelo, eu queria ser tudo isso em vocês, com vocês, de vocês, entre vocês. Creio que essa será a melhor primavera de todos para nós! E se não for para vocês, será para mim. Então, desde já, eu agradeço. Muito obrigado, amigos! Por cada segundo ensaiado e força, muita força, por cada segundo apresentado que virá! Nós podemos e nós conseguiremos.

Simplesmente porque somos jovens e amamos o que fazemos. Doce.
Eu não tenho muito o que escrever nesses últimos dias. Simplesmente por não ter o que dizer. Porém, hoje aconteceu algo que me fez pensar e sentir, de novo. Eu estava lendo, como de costume, e balançando na rede ao som de algumas músicas, que prefiro não citar os nomes, pois esqueci quais são. Eu estava lendo e de repente, aquela música tocou. Dessa eu lembro o nome, lembro-me também do dia em que a escutei pela primeira vez e da pessoa que estava ao meu lado. Assim, de repente, me veio toda a lembrança que devia estar adormecida lá nos confins da minha mente e eu congelei durante alguns segundos. Meus olhar voltou-se para o meu interior e assistiu com toda nitidez os lances e relances do que me havia voltado a mente. Teve sorrisos, batidas na mesa, cantos, mais sorrisos e até um olhar, um olhar meu, que foi fundo pra dentro dos olhos daquela pessoa e conseguiu durante um milésimo enxergar a sua alma. Eu pude ver o quão branca, o quão ampla e misteriosa era aquele ser, que sorria e batia na mesa. Pude ver o futuro e desejar que se tornasse o presente, num instante, sem muita delongas. Incrivel como depois de muito tempo, como depois de tanto e de tudo, essa lembrança veio a tona e mais incrível ainda, me fez sorrir.

Eu sorri ao lembrar de você. Isso é bom sinal. Isso é o recomeço. 
É no seu embalo
É no seu cantinho
Meus pés com os teus
Minha respiração na tua
Sorrimos amor
Dançamos paixão
Você vai, eu venho
Eu pra lá, você pra cá
Dançamos o fervor
Sorrimos a gratidão
Por uma noite cantada
Juntos, girando
Pela cama desarrumada
Juntos, acordando
Bom dia, pequena
Abres os olhos pra vida serena
E do que vale a pena o acordar
Se não for nos teus braços
Se não for pra te amarrar
Com os meus laços
Um embrulho sem forma
Numa noite esquecida
Sem brilho, sem fama
Nada  pertence  a sua vida

Teus risos não são pra mim
Eu nunca te fiz sorrir assim
Tão sem paz, tão sem ardor
Teu sorriso é pura dor, pura dor

No passo fantasma
Eu sigo, corro
Na trilha marasma
Eu quero o socorro

Sem lembranças,
Sonha os beijos de esperanças
Nem pesadelos,
Que ainda são os meus apelos

Inesperado,
O badalado garoto se vê abandonado
Desesperado,
Corre desalmado pelas ruas de rostos alarmados

O tempo se foi
E ele se viu cansado
O tempo se foi
E ele se viu largado
Abre os olhos e chora, por sentir que a cama ainda está vazia, que a dor não passou. Abre os olhos porque não consegue mantê-los fechados e encarar de frente seus pesadelos, que sempre trazem à tona todo os erros cometidos, todas os pecados. Já não sabe mais o quê enxergar, não encontra mais beleza em nada. O seu mundo está se diluindo na sua frente e já não tem forças para salvá-lo. Reza para que seu coração seja curado, que a ferida não esteja mais aberta nesse novo dia, mas ele sempre se depará com mais sangue, mais sofrimento e não entende o motivo de tudo isso estar acontecendo agora.  Procura explicações nas estrelas, no céu, no mar, nas pessoas, na TV e no cinema, mas nada e nem ninguém consegue lhe explicar a causa dessa dor incessante em seu peito. Deseja um dia voltar a sorrir como sorria antes, sem amargura, sem pressão, sem mágoas. Sonha com um mundo que gira e que o leve para novas chances, novas pessoas, novos amores. Anda pelas ruas tentando observar o óbvio, a felicidade, ele encontra, mas logo percebe que nada lhe pertence e a felicidade que quer encontrar não está fora e sim dentro. Cansa dos murros e pontapés, apanha das palavras e xingamentos, é torturado pela impaciência e incompreenssão. Não gosta mais de ler como antes, não dança mais como antes,  não joga mais como antes, já não é mais o antes. É o agora. O terrível presente que alguém lhe deu. O pior é saber que foi ele mesmo que resolveu seguir por esse caminho. Só o que resta é continuar caminhando, meio cambaleando, meio rastejando, mas caminhando, sabendo que uma hora ou outra, entre uma luta e uma batalha, entre uma lágrima e um sorriso, alguém de novo aparecerá e resgatará tudo que lhe foi roubado durante todo o percurso. Seguir em frente também é uma maneira de esperar por alguém.

Assassinato

Ele estendeu a mão, oferecendo sua vida que pousava na palma e iluminava a escuridão do quarto. Ela o olhou, passou a língua nos lábios e num gesto com a cabeça, pôs tudo a perder. Os dedos dele tremeram, aos poucos a vida dele foi escorregando, o rosto dele derreteu num ar de tristeza sombria, seus olhos tornaram-se cinzas e sua boca manteve-se entreaberta, com um fio de sáliva atravessado e ligado aos seus lábios que tremiam, chacoalhavam, procurando reação, palavra, para descrever aquela sensação ruim que começava a dominar seu coração e que em alguns minutos passou a dominar todos os seus orgãos, seus membros, seus sistemas, e tudo doía, tudo era elétrico, tudo era um grito, uma voz tenebrosa soprando a solidão em seus ouvidos. Ele a viu ir embora, estático, viu as costas delas se distanciarem, diminuirem cada vez mais até sumirem pela porta. A paralização do seu ser durou mais alguns segundos, até o momento em que voltou a si e percebeu que tudo que ele prezava estava jogado no chão, espalhado entre roupas sujas e sangue. Ele procurou apressado por tudo e juntou nas palmas de suas mãos, tentando manter tudo bem acolhido, bem guardado. Enquanto olhava o brilho da sua vida ali nas palmas de suas mãos, ele percebeu que faltava algo, tinha um vázio, uma dor, uma tristeza, mas também percebeu que algo cresceu dentro do seu corpo, algo ruim, capaz de destruir. Era ódio. Esse ódio cresceu, dominou seu corpo e ele gostou do que sentia, gostou da sensação de estar de pé novamente, mas só que agora seguindo um outro sentido da vida. Ele se pôs de pé, firme como um arranha-céu e deu ínicio a correria até a cozinha. Procurava loucamente por uma faca e quando encontrou, sorriu. Um fio de maldade deslizou pelo canto dos seus lábios e despejou-se quando chegou a ponta do seu queixo, pousando na lado direito do seu peito. Segurou a faca em umas das mãos e de novo começou a correr, agora pra fora e quando passava pela porta de entrada da sua casa, pode olhar a lua e como o seu brilho reluzia na lâmina da faca que carregava na mão. Tudo parecia tão claro. Ele a viu virando a esquina e pôde olhar novamente as costas que minutos antes foram-lhe dadas. Ele correu, como nunca correu antes. Como um leão caça sua presa. Sentiu as pedras da calçada arranharem a sola do seu pé, sangrando-os. Mesmo assim não parou. Continuo a sua caçada, até alcançar a maldita mulher que lhe pisou o coração e o jogou fora. O luar nunca foi tão lindo na vida dele. A brisa de verão nunca tinha sido tão gostosa ao tocar sua nuca. E enfiar a faca nas costas daquela vadia dez vezes seguida nunca pareceu tão correto. A noite se iluminou, num clarão de puro ódio e logo escureceu novamente, num aperto de arrependimento. Ele não entendia como o que parecia ser certo à minutos atrás, agora parecia ser tão errado. Não compreendeu como conseguiu fazer aquilo com ela e o que o levou a fazer. Só sabia de uma coisa, que a amava demais pra continuar sem ela. Então, ele decidiu sentir o luar entrar em seu peito e congelar o pulsar de fogo que existia ali. Foi um só golpe, uma facada direta no coração e um último olhar à mulher que tomou conta de seus olhos durante muito tempo. Olhando para ela, ele conseguiu sorrir e se sentiu feliz por estar morrendo. Pensou que essa era a única maneira de não sentir mais nada, nem a dor que é existir.

Garota do raso

Conheci uma garota que quando vai ao mar, senta-se no raso. A pobre morre de medo de se arriscar no fundo, tem medo de o mar levá-la. Ela nunca soube o que é ir de jacaré numa onda ou pisar num buraco e se assustar. Nunca sentiu o salgado cobrir seu umbigo. Todos a chamavam, até eu chamei, disse que a protegeria, que bastava segurar minha mão. Ela disse que não, que ainda tem medo de ser levada. Hoje ela ainda senta no raso quando vai ao mar, só que sozinha, pois todos seus amigos, inclusive eu, foram levados. Ela olha pro horizonte e pergunta: - Será que hoje a maré sobe? Ela espera, mas a maré pra ela não sobe mais.

Eterno

Os olhos dele brilhavam quando a enxergavam, enchiam-se de felicidade e desejo. As mãos deles tremiam quando a ouviam, suavam a espera do roçar dos dedos. O sorriso se prolongava por mais alguns minutos e caso ela sorrisse também, prolongava-se por horas de bêbada alegria. O coração acelerava ao máximo, fazia o peito doer, querendo apenas estar de frente pro peito dela para que o coração dela pudesse sentí-lo palpitar loucamente. O mundo dele tornava-se outro quando enfim conseguia tê-la derramada em seu corpo. Era escuridão ao redor e só havia luz nos dois, como se o foco de toda a humaninade estivesse voltado para aquele romance. Tudo era tão perfeito. O frio, o calor, a chuva, o sol, as nuvens, a terra, a grama... O mundo dele, enfim, estava completo.

Porém, lá no fundo, lá dentro, escondido em algum lugar, ele sabia que isso não era eterno. Que o mundo muda e os corações também. Que a felicidade sua já não é a felicidade dela. Que as pessoas têm necessidades e desejos maiores do que passar a vida numa cama de casal, pelados, vivendo de amor. Ele sabia que uma hora ou outra estaria só novamente, trocado por uma proposta de vida melhor do que ele um dia conseguirá oferecer. Sabia que o encanto acaba, a paixão vai embora, o desejo termina e o amor não é mais o bastante para sustentar sorrisos. E apesar de tudo isso, ele continuou vivendo esse romance até o fim, até onde foi possível vivê-lo e mesmo quando acabou, ele ainda o respirou. E hoje ele está perdido no mundo que criou, às vezes triste, outras vezes pior do que triste, mas nunca sozinho. Pois ainda sente o amor dentro de si e sabe, lá no fundo, como das outras vezes que soube, que sempre terá esse amor dentro do seu peito. Nem que seja apenas para fazê-lo lembrar da dor que é se entregar.
Olá, arrependimento. Como é ruim vê-lo novamente, é uma pena não poder evitá-lo. Entre logo e acomode-se. Há bastante espaço dentro do meu peito.

Enlouquecendo

Eu tenho essa vontade louca, sabe? De largar tudo que acredito, que confio, que prezo, só por alguns minutos de felicidade. Às vezes sigo um impulso louco e cometo uma loucura, mas logo isso passa. Logo me vem na cabeça todas as consequências de estar sendo um louco.

Sei que uma hora vou me sentir tão sufocado pela saudade em meu peito, estará entalado em minha garganta tanta coisa pra dizer, minha mente estará tão poluída e meu corpo suplicará tanto por esse vício, que eu vou acabar cedendo a loucura, a insanidade, de ir até você e dizer que eu te amo.