Linha, migalhas e o close pro fim

Se até hoje ainda não entendeu porque sou assim, não vai ser agora que vai conseguir esse feito. Agora é a pior hora pra tentar te explicar algo, já que você parece não mais me ouvir, já que você soltou a linha tênue que segurava nosso amor. É muito dificil continuar tentando, minhas estruturas estão sendo destruídas, meu orgulho totalmente ferido e meu coração dilacerado. Você e seu teatro não vão me convencer de que a linha ainda está forte ou que ainda está lá, esperando por nós. Quebrou-se, partiu-se, foi-se. Era uma vez uma linha... Era, porque não é mais. Não existe, não há, não tem. Eu juntei as migalhas dessa linha numa caixa que está guardada não sei aonde. E são elas que ainda me fazem tentar. Porém, cada vez que você demonstra seu cansaço num olhar ou num gesto, jogo uma dessas migalhas fora. Um dia acabarão e nada mais vai nos restar. Nada além do fim.

Pensando

Fico me perguntando como uma pessoa pode se tornar tão babaca ao ponto de afastar todas as pessoas e viver num mundo de amargura... Como faz isso? Pior: como eu ainda a amo? Arranque-me o que pulsa por ti. Ela tem o que é dela, tem o que ela quer. O que ela não quer simplesmente descarta, é jogado fora como um papel amassado sem importância. É tudo na hora que ela quer, do jeito dela, cada vez mais sinto minhas asas serem cortas e a minha liberdade se esvair como as penas que são jogadas ao vento. Não sei pra onde, não sei porquê.

Solto.

Solto, suspenso no ar. Estou sendo empurrado pela pressão gravitacional. Não, é mais do que isso. É pressão de batimentos repetitivos, de pensamentos enegrecidos e sentimentos confusos. Sinto que a qualquer momento meu corpo se encontrará com o chão e causará dores nunca sentidas. Procuro desesperado por braços amigos que possam me segurar, não os encontro. Dessa vez todos foram embora, se perderam no meio do meu caminho. Meus braços balançam freneticamente no ar, decepcionados por não serem asas e não poderem me salvar num voo.  Olho ao meu redor e só enxergo escuridão. O mundo que havia ao meu redor foi engolido pelas trevas e a única luz que ainda brilha é a minha pequena estrela lá em cima, que nessa hora já brilha tão fraca que em poucos segundos seu brilho se tornará apenas um fio de luz, quase sem vibração. Deixo minha cabeça pender pra trás num verdadeiro ato de desistência, fechos meus olhos e penso em como perdi todos os meus apoios e minhas estruturas. Uma última lágrima desloca-se do meu olho, descendo lentamente pelo meu rosto, trilhando um caminho molhado até cair em queda livre ao chegar ao limite do meu maxilar. Poucos centímetros antes de tocar o chão, meu corpo é congelado no meio do ar e meus pensamentos voam até meu passado, antes feliz e num determinado momento – não sei qual - tornou-se o pior dos passados. A infelicidade tomou conta do meu ser de tal forma que a reserva de energia que ainda se encontrava dentro de meus músculos se fora num grito estridente de dor, um grito sem forma nem cor, apenas um grito. O meu último suspiro. Enfim vazio, meu corpo despencou no chão escuro e frio. Aquele último fio de luz foi-se apagando. Encolhi-me no chão, deitei-me no frio e senti o último soprar de vida ir embora.

Amante

Deitado na cama, com o corpo nu e jogado entre os lençóis. Olho para ela e procuro não sei o quê, talvez um brilho, uma luz. Eu forço a vista, vejo que ela tem uma pinta de nascença no ombro, pequena e arredondada. Diria até que é um bocado sensual. Ela era realmente uma belíssima mulher, daquelas que com um olhar dilaceram o coração de um pobre coitado. Simplesmente não conseguia saber o que se passava dentro daquele corpo esbelto ou dentro daquela cabeça coberta de cachos e isso me incomodava. Claro, eu sempre sorria tentando demonstrar concordância quando ela dizia que eu era o único ou o melhor entre todos os tantos. Óbvio, eu gostava de ouvi-la dizer tudo isso. Só que sempre soube que eram mentiras ou pareciam ser. Eu me levantei ainda nu, com gotas de suor brotando em minha nuca e fui andando, sem demonstrar nervosismo em meus passos, ao encontro dela. Cheguei por trás, sorrindo, olhando-a pelo reflexo no espelho e notei que estava se preparando para ir embora. Disse para ficar mais um pouco enquanto beijava levemente a lateral do seu pescoço, ela disse que não podia e que já estava na hora dela ir, eu disse que só precisava de um tempo pra conversar, só mais um pouquinho e quando disse isso apertei sua cintura com meus dedos, tentando puxá-la pelo quadril pra junto de mim, ela se desvencilhou e disse pra eu parar já, que estava cansada de brincadeiras e que queria parar com esses encontros, que não aguentava mais passar por isso e numa questão de segundos já estava à procura de sua bolsa pelo quarto. Eu fiquei aborrecido naquela hora e segurei-a pelo antebraço, puxando de novo para perto de mim, disse que precisava apenas de uns minutos para conversar, porque ainda sentia saudade, eu dizia tudo aquilo, mas sabia que não era verdade, queria apenas diversão. Ela proferiu alguns palavrões antes de soltar-se e me mandar vestir alguma coisa, porque minha nudez estava incomodando-a. Eu não fiz o que ela mandou, nunca fazia o que ela mandava e fui me deitar de novo na cama. Disse para ela que estava muito linda hoje e sentia inveja do sortudo que a encontraria, ela agradeceu da forma mais rápida possível e preocupou-se mais em colocar seus sapatos. Aproveitei que ela estava sentada na beira da cama e me aproximei lentamente, abracei-a por trás, sorrindo e dizendo no pé do ouvido dela que iria sentir saudades.  Consegui ver o sorriso quase escapando do rosto dela, aproveitei esse momento oportuno e mordi seu ombro, exatamente no local da pinta de nascença. O sorriso sumiu do rosto dela e ela me deu uma cotovelada, proferiu mais alguns palavrões antes de dizer que precisava ir logo, deu um beijo na minha testa e saiu que nem um furacão pela porta. Não entendi porque ela era tão cruel comigo, a ponto de me dizer maravilhosos elogios em um momento e noutro estar a falar mal de mim, além de me chamar de diversos nomes que eu jamais ouvi. Passei algum tempo ainda deitado na cama pensando em tudo isso, em como ela era terrivelmente cruel comigo quando queria, mas também como era extremamente gostosa toda hora, até quando era cruel. Percebi o quanto estava fardado a sofrer na mão daquela mulher e nesse momento sorri, pois me dei conta do quanto valeria pena cada segundo de sofrimento e como eu amava aquela mulher, aquela pinta de nascença, aqueles cabelos negros e seus lábios, seus olhares, seus sorrisos e toda a sua crueldade. Depois de um tempo divagando sobre o que sentia por ela, acabei adormecendo e lembro-me de ter sonhado com ela. Sonhei que ela era minha.

Doce Solidão.

Minha doce solidão, que tanto me acompanha nas estradas esburacadas e escuras, que me faz seguir caminhos errantes, que sussurra em meus ouvidos coisas absurdas sobre verdades, que se sente enciumada quando falo dos meus amores, que só falta explodir minha cabeça quando penso na pessoa errada. Minha doce solidão, sabes o quanto preciso dos teus ditados e dos teus falados, desses teus olhares que tocam minha alma. Ah, minha doce solidão, sem você eu não sou nem metade do que sou hoje. Sem você, não estou são. Com você, minha loucura é atrativa aos outros. Por isso peço, doce solidão, que não vá e que nunca deixe de ser doce, pois esse teu açúcar viciou meus lábios, envolveu meus pensamentos e rumou meu barco.

Morte aos palhaços.

Estarei andando nas ruas cheias de papéis, serpentinas e confetes. Todos estarão usando nariz de palhaço, aquela bola vermelha que reflete nada mais do que a nossa própria vergonha. Olharão para mim, sorridentes, e me pedirão ''por favor, aperte o verde''e eu direi ''não, hoje não''. Hoje não porque hoje tem que ser diferente, eu preciso que seja. Não só eu, mas todos nós. Precisamos parar de dar sinal verde para que esses malditos palhaços com dentes de tubarão e sem alma nenhuma tomem conta do nosso destino. Eles dirão que o futuro nunca foi tão certo e não estarão mentindo. Já que um futuro maldito e desgraçado é quase certo para nós. Não para eles. Eles estão deitados em almofadas recheadas de notas verdes, sentados em bancos dourados e se banhando com o sangue de inocentes. E continuam a sorrir, dão risadas histéricas, ensurdecedoras. Só que, hoje não. Hoje o sorriso é nosso, e nós somos os donos do sangue que tanto banha vocês e que sufocará suas vidas. Nós, seres com almas, temos o poder em nossas mãos. Temos o tambor do tempo que está tocando querendo o fim dessa encenação, desse circo. E não pense que irei me curvar diante de seus cabos, nem de suas plásticos ou escudos. Eu os ultrapassarei e os destruirei, como um mamute enfurecido pisa em cima de um formigueiro. Estarei correndo em sua direção e só vou parar de correr quando você não existir mais, quando seu sangue sumir no pó levado pelos ventos do esquecimento. Prepare-se, sentirá a fúria de quinhentos anos.