Anjo das Cinzas

Carregava um peso dentro de si que não suportava mais. Sentia o corpo pender toda vez que tentava se levantar e aquilo incomodava. Procurava jeitos de aliviar a dor e o cansaço, de esquecer o peso e correr livremente por onde passava. Sabia que era impossível naquele momento, que o turbilhão de sentimentos e sensações ainda residiam dentro da sua cabeça e do seu coração. Louco, confuso, desesperado, paranóico, sozinho, envelhecido, enferrujado, desgastado, quebrado, morto. Era tudo isso. E um pouco mais: Era fraco. Não tinha forças nos ombros, nas pernas, andava rastejando nas ruas, não admirava mais a lua pois seu pescoço era um graveto que não suportava mais todo o peso dos seus pensamentos e por isso, vivia a olhar o chão, muitas vezes até sentia o chão: nos lábios, nos olhos, no pulsar, no frio. Em uma certa noite silenciosa e congelada, resolveu rasterjar-se pelas ruas. Andou por lugares que remetiam ao passado. Tal passado que sempre representou mais felicidade, mais alegria e mais sorriso. Então, andou por lugares nostálgicos e nesses lugares haviam as mesmas pessoas, que antes estavam por lá e que futuramente ainda estarão. Era como se elas esperassem por ele, para olharem para ele e assim, se sentirem felizes. A imagem dele era de provocar dó em qualquer um. Seus olhos tristes, seus lábios rachados, seu nariz torto, suas mãos magras, seus ombros curvados, suas perna trêmulas. Onde há felicidade? Bom, pensavam as pessoas, se um coitado desse ainda saí pela noite e a curti, eu também posso e eu também vou. Sou feliz por não ser essa coisa, por não me rastejar e nem parecer um verme. Elas estavam todas corretas. Qualquer ser humano que não fosse ele, poderia ser mais feliz que ele. E eram, claro que eram! Simplesmente porque não havia um fio de felicidade nascendo, desbotando, corroendo aquele coitado. Ele era movido pela tristeza, pela pena e pela noite. Só que naquela noite, ele foi feliz, por instantes eternos. Enquanto passava por um beco, enxergou uma borboleta azul marinho flutuando sua beleza pelo ar e ao se deparar com tal beleza, um sorriso brotou em seu rosto. Correu. Na verdade, tentou correr já que suas pernas trêmulas e tortas faziam um movimento que não lembravam nenhum pouco uma corrida. Elas se debatiam, mas na cabeça dele ele estava correndo, estava pulando e capturam com sua mão magra a borboleta. Ao abrir a palma da mão, observou que a borboleta se manteve inteira ao se proteger com as suas asas. Então, a borboleta abriu as azas e as bateu, sem sair do lugar. Ele sentiu cócegas e voltou a sorrir. Não, não. Ele estava rindo! Rindo por ainda sentir algo que não fosse aquela melancolia de sempre e ria bastante, ria e pedia mais, dizia para a borboleta continuar e ela o fazia, continuo fazendo até o momento em que ele se deitou na calçada úmida e ficou rindo, olhando para o céu, caminhando seu olhar pelas estrelas até encontrar a lua. Aquela saudade que sentia, foi se esvaindo do peito, pois ali estava ele, admirando a lua em todo o seu explendor natural, abençoando-o com seu iluminar e seu brilho surreal. Ali estava ele, voltando seu olhar para a borboleta que agora sorria, um sorriso negro e forte, um sorriso que virou pó, um pó que tocou a pele do coitado, o queimou, o invadiu por dentro e fez aquele pobre coitado tornar-se o mesmo pó, a mesma cinza, do mesmo ser mágico. Suas cinzas viajaram pelo vento, cada grão cintilando como fadas, cada grão seguindo um caminho, uma ventania e indo visitar lugares e pessoas. Pela primeira vez ele pode estar com todos e em todos. Pela primeira vez pode correr e voar livremente por onde passava. Feliz, iluminado e forte.

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