Amante

Deitado na cama, com o corpo nu e jogado entre os lençóis. Olho para ela e procuro não sei o quê, talvez um brilho, uma luz. Eu forço a vista, vejo que ela tem uma pinta de nascença no ombro, pequena e arredondada. Diria até que é um bocado sensual. Ela era realmente uma belíssima mulher, daquelas que com um olhar dilaceram o coração de um pobre coitado. Simplesmente não conseguia saber o que se passava dentro daquele corpo esbelto ou dentro daquela cabeça coberta de cachos e isso me incomodava. Claro, eu sempre sorria tentando demonstrar concordância quando ela dizia que eu era o único ou o melhor entre todos os tantos. Óbvio, eu gostava de ouvi-la dizer tudo isso. Só que sempre soube que eram mentiras ou pareciam ser. Eu me levantei ainda nu, com gotas de suor brotando em minha nuca e fui andando, sem demonstrar nervosismo em meus passos, ao encontro dela. Cheguei por trás, sorrindo, olhando-a pelo reflexo no espelho e notei que estava se preparando para ir embora. Disse para ficar mais um pouco enquanto beijava levemente a lateral do seu pescoço, ela disse que não podia e que já estava na hora dela ir, eu disse que só precisava de um tempo pra conversar, só mais um pouquinho e quando disse isso apertei sua cintura com meus dedos, tentando puxá-la pelo quadril pra junto de mim, ela se desvencilhou e disse pra eu parar já, que estava cansada de brincadeiras e que queria parar com esses encontros, que não aguentava mais passar por isso e numa questão de segundos já estava à procura de sua bolsa pelo quarto. Eu fiquei aborrecido naquela hora e segurei-a pelo antebraço, puxando de novo para perto de mim, disse que precisava apenas de uns minutos para conversar, porque ainda sentia saudade, eu dizia tudo aquilo, mas sabia que não era verdade, queria apenas diversão. Ela proferiu alguns palavrões antes de soltar-se e me mandar vestir alguma coisa, porque minha nudez estava incomodando-a. Eu não fiz o que ela mandou, nunca fazia o que ela mandava e fui me deitar de novo na cama. Disse para ela que estava muito linda hoje e sentia inveja do sortudo que a encontraria, ela agradeceu da forma mais rápida possível e preocupou-se mais em colocar seus sapatos. Aproveitei que ela estava sentada na beira da cama e me aproximei lentamente, abracei-a por trás, sorrindo e dizendo no pé do ouvido dela que iria sentir saudades.  Consegui ver o sorriso quase escapando do rosto dela, aproveitei esse momento oportuno e mordi seu ombro, exatamente no local da pinta de nascença. O sorriso sumiu do rosto dela e ela me deu uma cotovelada, proferiu mais alguns palavrões antes de dizer que precisava ir logo, deu um beijo na minha testa e saiu que nem um furacão pela porta. Não entendi porque ela era tão cruel comigo, a ponto de me dizer maravilhosos elogios em um momento e noutro estar a falar mal de mim, além de me chamar de diversos nomes que eu jamais ouvi. Passei algum tempo ainda deitado na cama pensando em tudo isso, em como ela era terrivelmente cruel comigo quando queria, mas também como era extremamente gostosa toda hora, até quando era cruel. Percebi o quanto estava fardado a sofrer na mão daquela mulher e nesse momento sorri, pois me dei conta do quanto valeria pena cada segundo de sofrimento e como eu amava aquela mulher, aquela pinta de nascença, aqueles cabelos negros e seus lábios, seus olhares, seus sorrisos e toda a sua crueldade. Depois de um tempo divagando sobre o que sentia por ela, acabei adormecendo e lembro-me de ter sonhado com ela. Sonhei que ela era minha.

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