Minha noite

Gotas geladas escorregam pela minha garganta, descem rasgando meu pescoço e me obrigam a fazer uma careta durante alguns segundos. Logo sorrio, alegre, levanto o braço que sustenta uma mão que por sua vez sustenta um copo. Grito, agradeço a não sei o quê e depois volto a tocar a borda do copo com meus lábios. A mesma sensação de novo e a noite segue assim, com cenas se repetindo. A noite é perfeita. Céu estrelado, lua brilhando incessantemente, iluminando toda a escuridão aqui embaixo. É bom apreciar a noite, olhar toda sua beleza e estar agradecido por isso. É muito bom. Porém, o tempo passa e na minha cabeça não é mais noite. É dia, tarde, noite, frio, calor, é uma volta inteira. Tudo gira, eu giro junto. Meu braço é rasgado por uma mão cheia de pontas que tenta me puxar pro escuro. Minha cabeça é jogada num mar marrom. Meus lábios são sangrados por uma gata selvagem. Às vezes minha mente abre os olhos e grita. Eu não escuto, eu sigo. Gosto do que está acontecendo. Me distrai, me faz ser uma pessoa que não sou. Um homem sem sentimentos que sorri, que grita, que parece estar vivendo tudo que há de melhor no mundo. Me sinto num carro em alta velocidade, seguindo numa estrada sem fim, reta, com luzes nas laterais e com amigos gritando, rindo de mim, rindo deles, rindo de tudo. De repente, o freio de mão é apertado, sou jogado pra fora do carro pelo para-brisa, rolo pela estrada rasgando todo o meu corpo, sangrando-o, sinto o carro passando por cima de mim e seguindo até sumir da minha visão. Meus olhos se fecham, minha mente se fecha e apenas as feridas do meu corpo ficam abertas. Deitado ali parece que passou milhares de anos, parece que tomei chuvas, raios e ventanias. Tento abrir os olhos várias vezes, mas o claro do sol não deixa. Quando entardece, consigo abrir e vejo que ainda estou na mesma estrada, jogado no mesmo chão e sozinho. E parece que aguentei por tudo isso. É nesse momento que aparece uma mulher, com seus cabelos negros, seu sorriso contido, seu vestido jogado ao corpo, suas mãos tocando meu rosto, seus olhos fixados nos meus, seus cuidados em mim. Ela me levanta, me segura pelo braço, limpa minhas lágrimas e apenas diz: - Vamos? Num gesto com cabeça, aceito o pedido e continuo a seguir a mesma estrada, acompanhado por ela.

Nenhum comentário:

Postar um comentário