Bailarina

Deitado aqui na cama, te olhando com esses olhos que brilham enquanto você descansa um pouco seu corpo, eu fico imaginando se todas essas linhas tênues que formam seu corpo nu são realmente de verdade. Levo as pontas dos meus dedos até sua pele, pousando minha mão na curva da sua cintura e então deixo a minha mão viajar pelo seu corpo, deslizando minhas unhas pela sua carne e confirmando que tudo aquilo que está diante de mim é de verdade.  Você estremece um pouco, num quase despertar, mas logo volta a sonhar calmamente. Eu, meio paralisado por quase te acordar, solto um suspiro de tranquilidade e volto a admirar sua beleza, que para os meus negros olhos é tão infinita quanto às estrelas no céu. Me levanto, semi nu, e com passos suaves, onde meu pé pisa calmamente no chão gelado do quarto, eu vou andando na direção da cabeceira. Lá encontro um copo de café, já meio gelado, mas ainda assim café e eu o pego, tomo um gole enquanto ando vagamente até a janela do quarto. Ao abrir a janela, meus olhos se contraem por conta dos raios de sol que invadem meu rosto e junto com os raios vem um cheiro de maresia, algo como sal e água juntos, logo depois o som das ondas batendo nas pedras, na praia, no quintal. Quando restabeleço minha visão dou de cara com uma visão linda do mundo lá fora, uma espécie de paraíso, vazio, deserto. Então sorrio por estar nesse paraíso deserto somente com você, deitada entre aqueles lençóis perfumados pelo nosso suor.  Me viro de costas pro sol, pro mundo, pro mar e fico a te olhar dormindo, observando o movimento lento que seu busto faz enquanto você respira. Seu rosto tem um ar leve, seus lábios fechados arqueiam num sorriso discreto, suas mãos perdidas entre os lençóis, tudo parece despreocupado e penso que se eu pudesse ler mentes, diria que a sua está debruçada num lindo sonho. Tudo isso faz descer uma lágrima solitária do meu rosto, que desenha uma trilha de pequenas gotas d’água na minha bochecha e se acaba no cantinho do meu sorriso.
Sorriso parecido com o que eu abri ao te ver dançar naquele palco, sob aquelas luzes, de frente pra tantas pessoas, dentro daquela roupa tão linda e tão delicada. Os giros dos seus pés, os saltos e pousos que seu corpo faziam, o sorriso em seu rosto, o brilho em seus olhos, tudo isso me encantou num átimo de segundo. Foi naquele instante que algo aqui dentro que pulsa todos os dias decidiu - não abriu espaço para discussão - que você seria a mulher da minha vida. 

A Bailarina dançava sua dança pra sua plateia. A plateia assistia a dança da Bailarina e impassível, ansiava por um erro. Na plateia havia muitas pessoas. Dentre todas essas pessoas, só havia uma que não estava impassível com aquela dança. Era um rapaz vestido num terno casual, perdido naquelas cadeiras. E ele a olhava com os olhos fixos, saltados, cheios de lágrimas e presos aos movimentos delicados que a bailarina traçava. Boquiaberto, ele sentiu, sentiu tanto que voltou todas as noites possíveis para assisti-la.

No último gole do café e na última lágrima enxugada, lembrei da noite em que te esperei do lado de fora do teatro, esperando naquele frio ter a sorte de você olhar pra mim e sentir o mesmo que eu. Então você saiu, dentro de um casaco vermelho, pescoço enrolado num cachecol cinza, sorrindo e acenando para alguém lá dentro. Virou-se na minha direção...

A Bailarina deu de cara com o rapaz, um instante congelado na história dos dois. Foi assim, num cruzar de olhares, num mergulhar de alma e em dois sorrisos que se tornaram um só sorriso. O rapaz sorria por ela estar ali, na frente dele, e a Bailarina sorria por ele ter esperado o momento de estar na frente dela. A dança era do destino, os saltos do coração, os giros dos pensamentos e os pousos... Das mãos. A Bailarina sentiu o toque forte dos dedos dele e sentiu lá dentro do seu pulsar cadenciado de bailarina, que agora acelerava num átimo de segundo, que era ele – aquele rapaz nervoso – o homem da sua vida.

Sento calmamente na beirada da cama, ainda sorrindo, ainda lembrando, ainda sentindo e levo meus dedos ao seu rosto, coberto por alguns fios de cabelo. Retiro os fios, observo seu rosto nu, dormindo, o sorriso discreto ainda nos seus lábios. Pouso meus lábios nos seus, sinto a maciez da sua boca durante alguns segundos e penso, cá dentro da minha cabeça, que eu vou cuidar de você pra sempre, Bailarina, só pra te ver dançar a vida toda.

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